"A viagem acabou.
Não é verdade. A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: «Não há mais que ver», sabia que não era assim. O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já."
José Saramago, Viagem a Portugal
Depois do belíssimo pequeno almoço já referido, e após a arrumação dos sacos, foi altura de partir. Após abastecer a mota na estação de serviço mais próxima, segui viagem a bom ritmo. Pouco depois, já estava a passar o centro geodésico do país, em Vila de Rei. É curioso: as características da estrada e a morfologia do terreno parecem também alterar-se mais ou menos a partir deste ponto. Então o Alentejo é como se fosse uma imensa recta que rasga a vasta planície. As curvas acabam por dar tréguas para aparecerem mais tarde, de forma bombástica, ao chegarmos ao Algarve.
A primeira paragem para descansar e esticar as pernas foi já na barragem de Montargil. Depois, foi sempre a andar, pois a estrada prestou-se a isso. Foi um dia quente, comparativamente aos outros dias da viagem, e o calor fez-se sentir bem ao atravessar o Alentejo e o Algarve, levando a que tivesse de fazer mais paragens para hidratar.
Um aspeto importante a não esquecer em viagens futuras: levar óleo para lubrificar a corrente para uma viagem com estas características. Momentaneamente, senti que a mota teve um comportamento estranho ao acelerar. Ao parar para abastecer, verifiquei que a corrente se encontrava completamente seca, apesar de a ter lubrificado previamente à viagem. Obviamente, adquiri o lubrificante na estação de serviço e apliquei o mesmo. O problema não voltou a surgir.
O facto de a estrada ter um traçado relativamente mais fácil levou a que as 13h30 já estivesse a entrar no Algarve, para o autêntico festim de curvas que é a estrada que cruza a Serra do Caldeirão, que nesse aspeto rivaliza com qualquer outro traçado no país. Altamente recomendado.
Pelas 15h30 cheguei ao esperado quilómetro 738 e ao fim desta aventura. Segui depois para o café alusivo ao mesmo para uma merecida cervejinha. A noite seria passada num alojamento local - Casa de Campo Cantinho da Serra, na Cortelha, já perto de São Brás de Alportel, onde também jantaria.
No dia seguinte, 4 de Junho, seria altura de voltar para casa. Decidi fazê-lo também por estradas nacionais: seguiria para norte na N2 e, pouco depois de Almodôvar, viraria para A-dos-Neves, com vista a apanhar o IC1.
Foram cerca de 2000km de viagem, que dificilmente esquecerei. Se a pusermos em perspetiva e compararmos com outras epopeias, foi uma viagem modesta. Mas foi minha, e foi vivida intensamente, e em comunhão com a mota, com a estrada e com a paisagem.




Sem comentários:
Enviar um comentário